Muitas vezes nos apaixonamos por uma música, por uma voz, mas quando vamos buscá-la em uma versão ao vivo, algo nos parece esquisito. Um pouco diferente talvez… A verdade é que muitas vezes a pessoa cantando simplesmente não parece com a mesma na performance ao vivo. Sendo assim, percebemos que a voz de estúdio é diferente da voz ao vivo. Claro, isso pode variar de acordo com uma série de fatores e é sobre isso que pretendo falar nesse post.
Nota: Este assunto é um pouco denso, portanto esta publicação não é excepcionalmente técnica, mas sim uma conversa. Ainda sim espero que te ajude a entender um pouco mais sobre o tema e, qualquer dúvida, é só deixar um comentário.
Por que as vozes de estúdio e ao vivo são diferentes?
A verdade é que nossas vozes são compostas por diversas frequências que se “juntam” ao entrar em nossos ouvidos. Por isso ouvimos uma só nota, quando na verdade estamos emitindo uma série de diferentes ondas sonoras. É o que chamamos de undertone e overtone, as frequências abaixo e acima da principal, respectivamente. A lógica se assemelha à de um violão, onde temos o acorde de C maior. As notas que encaixam nesse acorde são C, E e G. Sendo assim, quando tocamos o acorde C, temos que tocar pelo menos as mesmas 3 notas para ouvirmos o som completo. Quando ouvimos essas notas juntas, ou essas ondas no caso da voz, elas se “comprimem” ao entrar em nossos ouvidos e nós “concluímos” apenas um C.
O que diferencia um tipo de voz de outra é o grupo de frequências com maior peso em cada voz. Alguém com a voz “grossa” tem mais peso nas ondas baixas e alguém com a voz leve tem mais peso nas ondas “agudas”. E é então chegamos ao estúdio… Quando um cantor grava a sua voz no estúdio, muitas vezes ela é mixada para encaixar na música completa, com instrumentais e afins. Nessa etapa de produção é onde podemos perder o que chamamos de “brilho da voz“.
Basicamente, na hora de editarmos os vocais de uma música, podemos isolar, ampliar ou até mesmo anular frequências isoladas para “combinar melhor” com a música completa. Vemos claramente isso acontecer em Fall In Line, quando Demi Lovato atinge um Bb5. Essa nota é particularmente alta para a vocalista, então o que o produtor fez foi isolar as frequências agudas para ouvirmos apenas o “brilho” de sua voz, sem trazer o peso que essa nota de fato carrega. Por ser uma nota extremamente aguda, ela provavelmente era forte demais para ser cantada “cheia” com todos os instrumentos e ainda a voz da Christina Aguilera como melodia principal. A proposta dessa nota era apenas uma harmonia, porém Demi usou sua voz mista, que traz muito peso para uma simples harmonia alta.
O resultado na música final é uma nota bem feita, bem executada, uma boa harmonia, porém que não parece uma pessoa de verdade cantando. O som final se assemelha mais à uma guitarra, um instrumento de fato do que uma voz humana. Quando Demi canta essa nota ao vivo percebemos que sua voz traz muito mais peso e profundidade do que no estúdio, porque no estúdio as frequências baixas foram simplesmente removidas de sua voz.
Quando digo voz de estúdio, claramente estou falando de vozes produzidas ou até mesmo “super produzidas”. Muitos artistas buscam um som mais realista e, portanto não usam tantos efeitos na voz. Ainda sim suas vozes podem ser diferentes e então chegamos à um segundo fator que pode levar à uma voz diferente gravada ou ao vivo. O conforto, ou confiança, do artista na hora de se apresentar.
Quando a cantora Ellie Goulding se lançou, sua voz era extremamente tímida e “pequena”, apesar de bem afinada e bem treinada. Sendo assim, ela não tinha confiança suficiente na hora de se apresentar para sair e cantar uma nota super forte ao vivo, mesmo que sua voz seja de fato bem forte. Hoje, depois de muitos anos cantando ao vivo, a britânica se sente confiante em simplesmente subir no palco e cantar e se emocionar soltando a voz.
Muitas vezes a pessoa se sente mais confortável com sua voz no estúdio, sem ninguém para julgá-la. Ela está sozinha, ou com poucas pessoas em volta, podendo errar, praticar, tentar melodias diferentes ou até mesmo “consertar” imperfeições quaisquer com os softwares de edição de voz. Sem contar que, no estúdio, a mesma frase pode ser cantada diversas vezes pelo artista, até que o seu timbre fique perfeito de acordo com a mensagem que ele quer passar.
O principal diferencial na hora do artista gravar sua voz, é o timbre e o tom serem coerentes com a letra, não necessariamente cantando bonitinho ou da forma mais saudável. As vezes cabe ao artista “gritar” uma nota na hora de gravar a música, pois a letra “pede” essa agressividade. E o que acontece na hora de reproduzir essa mesma nota ao vivo? O artista muda a abordagem da canção para não destruir sua voz. Chegamos então ao terceiro ponto capaz de “alterar” a voz entre estúdio e performances ao vivo… A falta de técnica.
Pensemos em alguém como Lewis Capaldi. O artista costuma cantar músicas com letras substanciais e carregadas emocionalmente. Sendo assim, podemos imaginar que ele sente suas canções. Nesses casos o artista costuma gravar as músicas no estúdio em um tom extremamente alto. Muitas de suas músicas tem um refrão agudo, entre G#4 e B4, o mais alto que ele mesmo chega. Isso porque faz sentido a intensidade da voz quando pensamos no conteúdo que ele está cantando.
Porém, quando chega a hora do escocês reproduzir o mesmo som ao vivo, ele não tem técnica suficiente para fazê-lo de forma saudável. Principalmente porque ele não fez de uma forma saudável no estúdio, pensando apenas na emoção. Sendo assim, muitas de suas canções sofrem leves alterações ao vivo, para que o cantor possa se apresentar sem machucar a voz e ainda fazer um bom trabalho de cativar o público.
O importante dessa conversa toda não é apontar quem canta diferente ao vivo do estúdio, muito menos falar qual jeito é melhor ou se alguém não é um bom cantor. O ponto é que a música produzida é um produto diferente da música cantada em uma performance. Cada uma possui a sua mensagem, sua colocação, seu propósito e elas se comunicam conosco, espectadores, de formas diferentes e pessoais. Uma pessoa pode se emocionar com uma nota aguda no estúdio, mas não gostar de assistir à sua performance, pois o volume dessa mesma nota é muito alto ao vivo.
Ao mesmo tempo, uma nota perfeitamente executada na música gravada pode não emocionar tanto quanto aquela ao vivo, quando vemos o artista sentir tanto a letra que sua voz falha um pouco. Essas interpretações flutuam entre artista e ouvinte e a forma que elas são recebidas é tão pessoal que devemos apenas nos contentar em ouvir o que nos agrada, deixando o que não nos agrada em paz.
É importante lembrar também que a maioria dos artistas sabem quando algo é bom ou quando uma música gasta muito de sua voz. Nosso trabalho como fã é apenas de apreciar o trabalho do artista e torcer para que ele se cuide, jamais julgando alguém por uma desafinada ou um deslize. Não estamos falando de uma máquina, mas sim de um ser humano, com dias bons e ruins. O propósito da música não é a perfeição mas sim a emoção e, contanto que você se emocione ouvindo uma música ou assistindo sua performance ao vivo, está tudo bem.
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